Após falar dos estágios que definem o processo de ajustamento frente ao divórcio, achei que seria importante clarear o grau de desequilíbrio
que o divórcio cria nas diferentes fases do ciclo de vida familiar, segundo Peck e Manocherian. Então, exponho cada fase com suas características.
O divórcio em casais recém-casados (sem filhos)
Nessa fase do ciclo de vida, o divórcio produz a menor
ruptura, já que menos pessoas estão envolvidas, papéis menos perceptíveis
apareceram, os laços sociais criados enquanto casal foram menores e as
tradições estabelecidas foram reduzidas. Com a ausência de filhos, é totalmente
diferente o processo de redefinições de papéis, já que o casal não tem de fato
nenhuma razão que os mantenha juntos, a não ser a própria escolha. O recomeço é
menos doloroso uma vez que a referência da vida de solteiro ainda está bem
recente e presente.
O divórcio nas famílias com filhos pequenos
Este ciclo de vida familiar apresenta o maior risco de
divórcio. Nesta fase os filhos são bastante afetados, variando com suas
respectivas idades. Depois que o casal tem filhos é preciso fazer “a transição
de redefinir o seu relacionamento, de assumir o papel de cuidador e de
realinhar-se com a família, amigos e comunidade.”
Famílias com filhos em idade pré-escolar
Os filhos que estão na pré-escola se encontram na fase do
desenvolvimento em que o afastamento de casa em direção à escola e aos amigos
está se iniciando. O senso de moralidade está no início e somada a dificuldade
em distinguir a realidade da fantasia de seus pensamentos, ficam mais
vulneráveis à culpa e à confusão.
Wallerstein e Kelly, citados por Peck e Manocherian
(1995), afirmam que os filhos podem regredir em seu desenvolvimento de várias
maneiras: ansiedade de separação, transtorno do sono, molhar a cama, apego
excessivo, medo de qualquer saída, fantasias agressivas. Estas manifestações da
criança e a reação dos pais a estas manifestações podem interferir no
desenvolvimento da identidade sexual destas, tornando-se vulnerável a atuação
sexual na adolescência. O divórcio é difícil para os pais e para os filhos, mas
de maneiras completamente diferentes. “Os pais que estão lutando com seus
próprios sentimentos de fracasso, raiva, culpa e perda têm dificuldades em
proporcionar um ambiente estabilizador, consistente, para seus filhos”. (PECK;
MANOCHERIAN, 1995).
Para as mulheres, sejam elas donas de casa, ou trabalhando
fora de casa, assumir os filhos sozinha é intensamente estressante. Quando há
dificuldades financeiras envolvidas fica ainda mais difícil, e elas acabam se
sentindo infelizes, frustradas, ansiosas, incompetentes, aprisionadas e
angustiadas pela angústia de seus filhos. A relação entre as mães que possuem a
guarda e seus filhos é intensa e inicialmente difícil, principalmente no
primeiro ano. As mães donas de casa precisam lidar com o isolamento de cuidar
sozinha de seus filhos, as que trabalham ficam sobrecarregadas, sem energia ou
recursos para qualquer vida fora do trabalho e do lar. Com todos esses fatores
combinados, o relacionamento das mães com seus filhos fica estressado. Pelo final
do segundo ano, a vida volta a se organizar, estabelecem-se novos padrões e rotinas
e as mães ficam mais disponíveis para os filhos.
Peck e Manocherian (1995) afirmam que para os homens que
perdem o contato cotidiano com seus filhos, o divórcio é doloroso. Muitos pais
se sentem inadequados para o papel de cuidador de uma criança, e por
sentirem-se perdidos, se afastam do relacionamento. Assim, sentem-se menos
conectados com os filhos, os quais, consequentemente, os experienciam como pais
distantes. Sem um contato constante com crianças muito pequenas, não se cria um
vínculo. Existe uma tendência de o pai ser excluído ou excluir-se da família, e
de se criar uma fronteira em torno da mãe e dos filhos. Com a alienação do pai,
a mãe fica sobrecarregada, o que cria mais angústia e disfunção familiar para
todos os participantes. Por isso, muitos homens recorrem a pessoas próximas,
como seus pais e namoradas, para auxiliarem no cuidado dos filhos.
Para que a reorganização e redefinição comecem, os pais
precisam conversar com os filhos sobre a separação iminente. Assim, os filhos
podem exprimir suas emoções.
Famílias com filhos na idade da escola fundamental
De acordo com Peck e Manocherian (1995), o divórcio possui
um impacto maior para os filhos que o vivenciam na idade da escola fundamental.
Peck e Manocherian apontam que as crianças de seis a oito anos são suficientemente
crescidas para perceberem o que está acontecendo, mas ainda novas para ter
condições de lidar com o rompimento. Elas muitas vezes sentem-se responsáveis,
e experimentam sensações de pesar, tristeza e saudade do progenitor que partiu.
“Ao mesmo tempo, elas têm fantasias recorrentes de reconciliação e frequentemente
pensam que têm o poder de fazer isso acontecer”. (PECK;MANOCHERIAN, 1995, p.
306).
Alguns filhos são levados a assumir papéis paternos, tendo
para si responsabilidades que não estão preparados para lidar. Isso pode ser
disfuncional e levá-los a manifestar problemas escolares ou de relacionamentos.
Quando os filhos são mais velhos na época do divórcio,
fica mais fácil para o pai estabelecer um papel paterno verdadeiro, já que ele
conhece a personalidade dos filhos e isso contribui para o relacionamento.
O divórcio nas famílias com adolescentes
A adolescência é um estágio da vida em que muitas mudanças
físicas e emocionais estão acontecendo. O adolescente está iniciando seu
processo de sair de casa, formando sua própria identidade, separada de seus
pais. Nesta fase, é importante uma nova definição dos filhos dentro da família
e do papel dos pais em relação aos filhos. As fronteiras precisam ser mais
permeáveis.
Nesse período os pais já não são mais uma autoridade
máxima, mas ainda assim os filhos precisam da estabilidade que eles
representam.
O adolescente está oscilando entre o depender e o não
depender, sempre testando o limite. Por ser uma fase instável, a reação dos
adolescentes ao divórcio dos pais é com freqüência expressada através de
sentimentos de raiva, desejo de um lar estável e fronteiras bem definidas entre
eles e os pais, principalmente no que compete à sexualidade deles. Como o
divórcio ameaça essa base, os adolescentes ficam zangados com as mudanças.
Alguns não querem pensar na vida dos pais, outros querem apressar seu
crescimento, e há ainda os que pensam que não poderão partir.
O divórcio nas famílias com filhos sendo lançados
Como a expectativa de vida das pessoas aumentou, esta fase
do ciclo de vida familiar ficou maior. O divórcio nessa fase, depois de um
longo casamento, pode ser um tumulto. O casamento pode se tornar vulnerável,
pois os filhos já não são mais o foco do casal. A saída de casa dos filhos pode
levar a um rearranjo do casamento, levando à decisão dos pais em se
divorciarem. Os filhos podem estabelecer uma relação bem definida com cada um
dos pais, mas o divórcio pode ser estressante para estes jovens adultos pela
crescente responsabilidade por seus pais e pelo conflito de lealdade. É comum a
raiva voltar-se ao pai, mesmo que ele não tenha iniciado o divórcio, mas por ter
deixado a mãe sob seus cuidados.
Os filhos podem viver um sentimento de perda da vida
familiar, de abandono pelos pais e uma preocupação em relação ao próprio
casamento. Pode acontecer também dos pais se agarrarem aos filhos como cônjuges
substitutos, afetando a capacidade dos filhos em seguir em frente com suas
próprias vidas.
O divórcio na família no estágio tardio da vida
Neste estágio da vida o divórcio reverbera em toda família
de forma exagerada. Atinge três gerações: o próprio casal, os filhos e os
netos. E até mesmo os amigos. As pessoas identificam-se com os papéis que
emergiram do casamento, e isto agora têm de ser redefinido. A reação dos filhos
é fundamental no ajustamento ao divórcio. Os pais querem envolver-se novamente
com os filhos e esses podem sentir-se sobrecarregados. Começar uma nova vida de
solteiro nessa fase é muito difícil, principalmente por as identidades estarem
ligadas ao casamento. A solidão surge como um grande agravante. O apoio
emocional talvez tenha de vir de fora da família, já que provavelmente seus pais
já morreram e seus filhos estão envolvidos com suas próprias vidas.
Referência bibliográfica:
- PECK, Judith Stern; MANOCHERIAN, Jennifer R. O divórcio nas mudanças do ciclo de vida familiar. In: CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Monica. (Org.) As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
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