Uma
das escritoras e cronistas de que mais gosto é a Martha Medeiros (vou falar
muito dela por aqui). Hoje me lembrei de um texto que ela escreveu sobre
casamento, em 2005, e procurei até achá-lo. No tempo em que tudo é pra ontem,
um texto escrito há sete anos já é considerado velho. No entanto, esse
permanece extremamente atual. Não fique chocada com o início do texto, insista
e vá até o final. Vale a reflexão!
“Andou
circulando pela internet um texto creditado a Danielle Mitterrand, viúva do ex
presidente francês François Mitterrand. Pelo teor, acredito que seja mesmo de
sua autoria. Quando permitiu que a amante e a filha que ele teve fora do
casamento comparecessem aos funerais, Danielle comprou uma briga com a ala mais
conservadora da sociedade francesa. Agora está se defendendo com uma reflexão
que serve para todos nós.
É
sabido que a instituição casamento vem se descredibilizando com o passar do
tempo. Hoje, uma relação que dure vinte anos já é candidata ao Guinnes. Li
outro dia uma pesquisa sobre os casais mais “divorciáveis” da atualidade. A tal
Paris Hilton era a mais cotada para se separar no primeiro ano de matrimônio –
erraram: nem chegou a haver casamento. E fora do mundo das celebridades não é
muito diferente. Os pombinhos estão no altar, e os amigos, na igreja, já estão
fazendo suas apostas para a duração do enlace. Todo mundo quer casar, adora a
idéia, mas poucos ainda acreditam nos felizes para sempre, e não porque sejam
cínicos, mas porque conhecem bem o contrato que estão assinando: com exigência
de exclusividade vitalícia, ou seja, ninguém entra, ninguém sai. Difícil achar
que isso vai dar certo nos dias atuais.
O
casamento vai acabar? Nunca, mas vai continuar a fazer muita gente sofrer se
não entrarem cláusulas novas nesse contrato e se as cabeças não se arejarem.
Danielle Mitterrand diz o seguinte: “Achar que somos feitos para um único e
fiel amor é hipocrisia, conformismo. É preciso admitir docemente que um ser
humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos,
amar de forma diferente”. E termina citando sua conterrânea, Simone de
Beauvoir: “Temos amores necessários e amores contingentes ao longo da vida”.
Estamos
falando de casamento aberto, sim, mas não desse casamento escancarado e vulgar,
em que todos se expõem, se machucam e acabam ainda mais frustrados. Casamento
aberto é outra coisa, e pode inclusive ser monogâmico e muito feliz. A abertura
é mental, não precisa ser sexual. É entender que com possessão não se chegará
muito longe. É amar o outro nas suas fragilidades e incertezas. É aceitar que
uma união é para trazer alegria e cumplicidade, e não sufocamento e repressão.
É ternoção de que a cada idade estamos um pouquinho transformados, com anseios
e expectativas bem diferentes dos que tínhamos quando casamos, e quem nos ama
de verdade vai procurar entender isso, e não lutar contra. Sendo aberto nesse
sentido, o casal construirá uma relação que seja plena e feliz para eles
mesmos, e não para a torcida. E o que eles sofrerem, aceitarem, negociarem ou rejeitarem
terá como único intento o crescimento de ambos como seres individuais que são.
Enquanto
não renovarmos nossas idéias de romantismo, continuaremos a bagunçar aquilo que
foi feito apenas para dar prazer: duas pessoas vivendo juntas. Eu não conheço
nada mais difícil, mas também nada mais bonito. E a beleza nunca está nas
mesquinharias e infantilidades. A beleza está sempre um degrau acima”.
Referência bibliográfica:
MEDEIROS, Martha. Doidas e santas, Porto Alegre, L&PM, 2008.
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