Será que o cinza é bom?
Já faz um tempo que tenho escutado falar a respeito do
livro “Cinquenta tons de cinza”, primeiro volume da trilogia escrita pela inglesa E.L. James. A primeira vez que ouvi sobre o
livro foi no programa Saia Justa, do Canal GNT, e depois disso passei a ouvir
cada vez mais frequentemente. Hoje já sei que virou bestseller.
Sabia pouco da história, mas o suficiente para achar o
tema um insulto às mulheres. E isso me deixou confusa, como um livro que trazia
como tema a submissão da mulher podia ser tão interessante para as próprias
mulheres?
Caso algumas de vocês ainda não saibam sobre a história do
livro, vou contar à sinopse que melhor descreveu o conteúdo do livro. "Cinquenta Tons de Cinza retrata Anastasia Steele, uma virgem de 21 anos na Faculdade de Literatura que, após entrevistar Christian Grey para o jornal da faculdade, passa a ter um relacionamento com o magnata. A trama se desenrola em Seattle, e em meio ao luxo, Anastasia descobre por meio de Christian Grey o mundo do sadomasoquismo, descrito por meio "a linguagem simples dos romances baratos e ao enfoque descaradamente água com açúcar da história de amor". Anastasia se torna escrava sexual de Grey, com ricos detalhes de bondage, sadismo e masoquismo (BDSM)".
Eu que tenho por hobby a leitura, depois de tanto murmurinho, já não conseguia mais domar a minha ansiedade e me rendi a leitura do bestseller (que tem sido chamado de pornô para mamães). E foi aí que eu entendi porque o livro já vendeu mais de 40 milhões de cópias.
O livro é depreciativo? Sim. Christian Grey é sádico? Sim. Ele gosta de ter as mulheres como submissas a ele? Sim. Mas o que encantou tantas mulheres não foi isso. Foi o romance "água com açucar" que faz parte da trama, o apelo erótico que o livro traz e a esperança de que ao final, como em todo romance, a mocinha consiga "consertar" o "bad boy". Bom, pelo menos assim espero, pois me recuso a crer que as mulheres desejam homens que não as valorizam, que não as validam, que as violentam fisicamente, etc.
Voltando ao livro... o personagem não é simplesmente sádico, é também extremamente envolvente, atencioso (do jeito dele) e problemático. E apesar de toda essa relação sádica/masoquista imposta por Christian Grey existe, acredito eu, um grande desejo nas leitoras de que ele seja no fundo um homem amoroso, preocupado, atencioso, galanteador e bom de cama ( isso o livro deixa bem claro que ele já é). E que eles vivam felizes para sempre. Acho que é aí que está o segredo. Pois não é isso que toda mulher quer? Se não são todas as mulheres, estamos, pelo menos, por volta de 40 milhões de mulheres espalhadas pelo mundo...
Passeando pela internet achei o texto da escritora Laura Henriques e achei interessante a maneira como ela descreveu o je ne sais quoi do livro e resolvi acrescentar aqui um outro olhar.
“Por muito tempo, tínhamos o Mr. Big. Aquele, da Carrie,
do Sex and The City. Sempre achei que o charme do Mr. Big era seu mistério,
aquela coisa de chove não molha, aquele jeito de seduzir sem compromisso e sem
te dar certeza de nada. Mr. Big era aquele que surge na 1ª
temporada e dura ate a 6ª, sem resolver a situação, aquele que a gente cria um
apelido, e só se refere a ele assim, que nos tira de todos os eixos, e todas as
amigas sabem quem é. E torcem o nariz, porque, né?, estão cansadas de ouvir as
histórias e resumir pra você: ele não vale nadaaaaa.
Ai, o seriado acabou, vieram os
filme e o Mr. Big ficou pequeno, minúsculo. Ele casou com a Carrie, tiveram
crises, hoje em dia eu acho a Carrie uma chata ( mas isto é assunto pra outro
post) e, enfim, o Mr. Big ganhou um nome que eu nem me lembro...
E ai, quando menos esperávamos, órfãs de um personagem
forte assim, eis que agora temos um novo Mr. em nossas vidas e imaginário: Mr.
Grey, Christian Grey. Muito prazer, com o perdão do trocadilho...
Se você ainda não leu, vem spoiler por ai. Se já leu, pode
prosseguir. Mesmo se não tiver lido, não considero o spoiler grave, já que o
livro, dos tais Cinqüenta Tons de Cinza não tem história: uma moça jovem e
comum se apaixona por um jovem milionário misterioso e absolutamente tarado (só
por ela, já que, se fosse tarado por muitas, não ficaríamos assim tão
seduzidas).
O Mr. Grey é um Mr. Big com pimente. Malagueta, no caso.
Ele é muito mais lindo que o Mr. Big e muito, muito mais sensual (ou sexual?).
Tem suas preferências específicas e é a febre do momento. Assim como o Mr. Big,
o Mr. Grey é esta coisa indefinida, uma zona cinzenta. Ele não quer nada “preto
no branco”, arroz com feijão, com açúcar e com afeto. Ele quer controlar,
dominar e enfim, ele não fala muito e deixa todas as leitoras suspirarem.
Enquanto lemos, temos ideias e já ouvi muita gente
comentando “os maridos/namorados vão agradecer”, mas, sinceramente, e nós?
Vamos? Um moço que não divide, não conversa, controla TUDO: sua alimentação,
suas roupas, sua higiene pessoal, suas horas de sono, sua ginástica? Um moço
que não sabe quem você é, mas te dá um blackberry, um computador, um carro, só
porque ele quer te controlar ao máximo? Venhamos e convenhamos, se o Sr. Grey
tivesse uns cinqüenta anos, fosse careca e baixinho seria o livro mais
repugnante de todos os tempos.
No entanto, não dá para negar, não dá para lutar contra. O
tal do Mr. Grey chegou com tudo e a atração que ele exerce é fatal e
irresistível. O Mr. Grey é a tentação dolorosa, aquele homem que a gente
racionalmente, nunca quer ter por perto, mas que deixando só a fantasia falar,
não é tão mal assim.
Eu estou ansiosa para adquirir a tradução dos próximos
volumes da trilogia, que foi lançado essa semana. E você, ta esperando o que
pra ler?”.
Mas o que me preocupa é que a vida real não é feito conto
de fadas ou romances açucarados com finais felizes. Relações como a descrita no
livro e bem exposta pela Laura deve mesmo ficar no campo da imaginação, da
fantasia... Assim, após a leitura não pude deixar de pensar nas mulheres que
são submetidas à violência doméstica.
A violência física é uma agressão comum. Os agressores
espancam as mulheres com objetos como cinto, vassouras, panelas, correntes,
chicotes, etc. Atos de verdadeiro sadismo, como queimaduras com ponta de
cigarro, água quente e até mesmo privação de água e comida também são comuns. O
que tem de romântico nisso? NADA. Porque isso é vida real.
A violência doméstica pode gerar severos traumatismos e
fortes danos emocionais. Vivenciar uma relação violenta acarreta danos à saúde
mental da mulher, traduzidos, principalmente, por constantes estados de
tristeza, ansiedade e medo, afetando negativamente a integridade física e
emocional da vítima e seu senso de segurança.
“Os sintomas psicológicos freqüentemente encontrados em
vítimas de violência doméstica são: insônia, pesadelos, falta de concentração,
irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios problemas
mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse
pós-traumático, além de comportamentos auto-destrutivos, como o uso de álcool e
drogas, ou mesmo tentativas de suicídio”. (Paula Martinez da Fonseca; Taiane
Nascimento Souza Lucas citando KASHANI; ALLAN, 1998)
“Para tentar suportar essa realidade, a mulher precisa
abdicar não somente de seus sentimentos, mas também de sua vontade. Com isso,
ela passa a desenvolver uma autopercepção de incapacidade, inutilidade e baixa auto-estima
pela perda da valorização de si mesma e do amor próprio” (Paula Martinez da Fonseca;
Taiane Nascimento Souza Lucas citando MILLER).
No momento desta leitura muitos devem estar se perguntando
porque as mulheres permanecem em uma relação violenta. Não existe uma única
resposta e sim múltiplos fatores.
Uma mulher pode se manter durante anos em uma relação que
lhe traz dor
e sofrimento, sem nunca denunciar as agressões sofridas. E quando decide fazê-la, em alguns casos, é convencida ou até
mesmo coagida a desistir de levar sua vontade adiante. Muitas vezes, a violência
acaba sendo protegida como um segredo, em que agressor e agredida fazem um “pacto
de silêncio” que o livra da punição. A mulher, então, passa a ser cúmplice das próprias
agressões que sofre.
“Em face de tal realidade, desenvolvem-se concepções
populares de que as mulheres “gostam de apanhar”, ou ainda de que “algo fizeram
para merecerem isto”. Esta idéia nega a complexidade do problema e atribui à
violência um caráter individual, oriundo de aspectos específicos da personalidade
feminina”. (Paula Martinez da Fonseca; Taiane Nascimento Souza Lucas citando LUCAS
GROSSI).
Muitos são os motivos pelos quais a primeira agressão
sofrida, geralmente, não é denunciada: o conflito por não querer perder o
parceiro, o medo das conseqüências que a denuncia irá gerar (como a prisão do
companheiro), entre outros. Numa tentativa de que as agressões apenas cessem,
as mulheres acabam deixando para buscar socorro quando já estão exaustas de
apanhar e a sensação de impotência bate. É assustador como é freqüente a busca
dessas próprias mulheres em justificar as atitudes do abusador, se apegando em
argumentos como o ciúme, a proteção e demonstrações de amor. O estresse decorrente
do dia-a-dia, as dificuldades financeiras e o cansaço são fatores externos
atribuídos. Também o álcool é um motivo alegado pela grande maioria das
vítimas, para explicar o comportamento agressivo de seus parceiros.
“O álcool estimula este tipo de comportamento dos homens,
mas age apenas como um catalisador de uma vontade pré-existente, havendo,
portanto, uma intenção em ferir a integridade física da mulher”. (Paula
Martinez da Fonseca; Taiane Nascimento Souza Lucas citando Gregori).
Mesmo quando há o intento de se separar do marido, a
mulher sente-se culpada e envergonhada pela situação em que vive, seja por
medo, impotência, debilidade.
“Outro elemento que impede a separação entre vítima e
agressor e contribui para o aumento do índice de violência é a falta de apoio
social, refletido pelo escasso número de pessoas (parentes, amigos ou vizinhos)
ou entidades (igreja, instituições), aos quais a mulher pode confiar o
suficiente para relatar as agressões e acreditar que algo será feito para
evitar sua incidência. Quando a mulher tem uma boa relação com familiares e amigos,
permitindo-se contar-lhes sobre sua vida conjugal, suas casas passam a ser uma
possibilidade de refúgio. No entanto, quando isto não é possível, devido à
situação de isolamento provocada por seu parceiro, a única possibilidade
encontrada é recorrer às casas-abrigo, que funcionam para acolher mulheres em
situação de violência, mas que representam, para muitas, enfrentar um futuro
desconhecido” (Paula Martinez da Fonseca; Taiane Nascimento Souza Lucas citando
Miller).
O fator financeiro é outro elemento que se destaca
contribuindo para que a situacão de violência seja aceita pela mulher. A grande
maioria depende economicamente do companheiro e têm medo de não conseguir
sustentar a si mesmas e a seus filhos; outras, por receio de perderem suas residências.
Enfim, não estou desencorajando a leitura do “Cinqüenta
tons de cinza” e suas sequências. Mas aquilo é apenas um romance literário
erótico. Me preocupa é que as pessoas passem a achar normal a mulher ser
submissa e o homem manipulador/abusador. O livro não deve servir para instigar esse
tipo de comportamento. Neste caso, a vida não deve imitar a arte!
Referências bibliográficas:
Laura Henriques - http://www.whatabout.com.br/page/3/
Violência Doméstica Contra A Mulher E Suas Consequências
Psicológicas. Paula Martinez Da Fonseca E Taiane Nascimento Souza Lucas.
Wikipedia – a enciclopédia livre.
A relação BDSM não tem nada de ultrajante. Pode ser ser considerada uma "doença", um desvio na conduta " normal". É uma troca consentida. É o prazer da doação e da dominação. E a submissão pode ser por parte do homem também.
ResponderExcluirSão acordos feitos entre dias pessoas que estabelecem seus limites e tratam esse acordo com o maior respeito e consideração.
Nada tem haver com vítima e agressor. Não existe vítima. Deu pra entender?
A relação BDSM não tem nada de ultrajante. Pode ser ser considerada uma "doença", um desvio na conduta " normal". É uma troca consentida. É o prazer da doação e da dominação. E a submissão pode ser por parte do homem também.
ResponderExcluirSão acordos feitos entre dias pessoas que estabelecem seus limites e tratam esse acordo com o maior respeito e consideração.
Nada tem haver com vítima e agressor. Não existe vítima. Deu pra entender?