quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Os casos da cadeirinha


Verdade seja dita, ninguém quer envelhecer. A gente pode até aceitar a ideia, querer encarar o tempo com dignidade – como a Constanza Pascolato, a Luiza Brunet, a Glória Kallil e tantas outras mulheres reais (e lindas!) com as quais convivemos e que já passaram da barreira dos cinquenta. A gente pode ter nossos princípios, ser contra o abuso de procedimentos (cirúrgicos ou não) e não querer – de jeito nenhum! – se transformar numa máscara disforme como…hum, melhor não citar nomes, cada uma que pense em seu exemplo (são muitos), mas QUERER envelhecer, é bem diferente.
É claro que, num momento de nossas vidas, todas nós já quisemos ser e, principalmente, parecer, mais velhas. Afinal, idade era sinônimo de liberdade: dirigir, entrar em boates, viajar sozinha, fazer tatuagem, qualquer dessas alternativas, ou todas as anteriores. Entretanto, se hoje aparecesse um gênio da lâmpada, e perguntasse: o que você quer da vida, voltar aos 15 ou avançar pros 50, não sei se alguém ficaria com a segunda opção.
Pensando bem, eu não desejaria nenhum dos dois, estou feliz com a idade, vivências, experiências e nem tão feliz com as celulites que acumulei nos meus 30 anos, mas se tivesse que escolher entre as duas opções… acho que voltaria aos 15 mesmo. Ninguém sonha em chegar na idade em que a velha da expressão “põe a velha no sol”, será você. Eu, pelo menos, nunca havia imaginado.
Vai daí que, dia desses, estava eu andando pelo Lourdes, quando me deparei com uma velhinha, bem velhinha mesmo, dessas que a gente tem medo de quebrar, toda agasalhadinha, tomando o banho de sol numa cadeirinha de rodas. Sozinha, no meio da calçada. Ela não me viu, absorta que estava nos pensamentos e, de repente, vi que ela sorria. Um sorriso doce, largo, longe, de quem está lembrando de alguma coisa que fez. Um sorriso de quem tem boas memórias como companheiras e motivos para sorrir. Pensei, deve estar se divertindo com seus “casos de cadeirinha”, que é a expressão que minha irmã me ensinou para travessuras que fazemos (geralmente em segredo) e que nos trarão sempre um sorriso. Pois bem, o sorriso da velhinha me contagiou, e segui meu caminho rindo também.
Rindo e pensando que é bom a gente fazer da vida uma aventura e que, mesmo que percamos a memória recente, a gente tem que ter uma memória longínqua que nos aqueça, mais que o sol da calçada. Pensando que é importante termos nossas peripécias inconfessadas e até inconfessáveis, que nos tornem pessoas inteiramente realizadas. Casos, amigos, amores, que sejam nossos e nos habitem. Que possamos nos confessar (a nós mesmas) e nos perdoar (a nós mesmas). Que possamos nos libertar de nossos próprios julgamentos e punições. Que nossas escolhas sejam mais tolerantes, menos severas. Que a avó que já existe em nós, diga para a mãe (que também vive em nós): deixa a menina! Deixa a menina rir, sair, comer, namorar, sujar, cair, levantar, escrever, pintar… Deixa a menina chorar, machucar, recomeçar, escolher. Deixa a menina aprender… Deixa a menina…
Quero que a velhinha que hoje em mim já existe, a velhinha potencial que sou, me compreenda e me autorize a alguns excessos, porque, quando chegar a minha vez de “ser colocada no sol”, surda, fraquinha e meio desmemoriada, eu possa me lembrar dos meus casos de juventude, de hoje, de ontem e de daqui a pouco, eu possa trazer no coração todos os que já tiverem partido, que eu tenha conhecido todas as emoções e que o saldo das minhas vivências seja um sorriso na calçada. Quero, aquecida mais por minhas lembranças que pelo sol, viver até o fim. Enfim, em uma prece e desejo, que não me faltem “casos da cadeirinha”.
Que os jovens que me virem na rua, autossuficientes e menosprezando aquela “velhinha”, tão ultrapassada, coitadinha, não imaginem sequer as memórias que construí. E que eu tenha sempre meus doces segredos para não contar.
Por Laura Henriques

Fonte: Blog What about. 

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