terça-feira, 27 de novembro de 2012

TÊNIS X FRESCOBOL



Depois de muito meditar sobre o assunto, conclui que os casamentos são de dois tipos: há casamentos do tipo tênis e do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimento e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de vida longa. 

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com o qual concordo inteiramente. Dizia ele:

-"Ao pensar sobre a possibilidade de casamento cada um deveria fazer a seguinte pergunta: Você seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar".

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme "O império dos Sentidos". Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava com uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há carinhos que se fazem com o corpo e carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo "eu te amo, eu te amo..." Barthes advertia: "passada a primeira confissão, eu te amo não quer dizer mais nada". É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não na sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma".


O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ela vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva que indica seu objetivo sádico, que é cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocada fora do jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza do outro. 

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos....

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é "ficar batendo sonho para lá, sonho para cá..."

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava em seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos "Primeiros Cadernos", é sobre este jogo de tênis:

"Cena: O marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de bilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre a humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: Com um sorriso: - "Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo". A galeria torce e sorri pouco a vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe a mão suspirando: - "Tens razão, minha querida." A situação está salva e o ódio vai aumentando."

Tênis é assim:recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo como bolha de sabão... O que busca é ter razão e o que se ganha é distanciamento.  Aqui, quem ganha sempre perde. 

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja, então, que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...  
     

Rubem Alves
 

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